Há inúmeras variações da queimada, tendo cada família (ou cada pessoa) uma receita particular... mas o processo básico é o mesmo:
Ingredientes: Um litro de aguardente (ou cachaça) eu preparo com graspa!
Duas xícaras de açúcar;
Grãos de café (8 ou 9), substituíveis por cravos-da-índia;
Uma colher de sopa de casca de limão e/ou de laranja (o limão é lunar e a laranja é solar... isso dá margem para múltiplas interpretações... vai de cada um...);
Algumas ervas e especiarias, como louro em pó, canela em pó, gengibre em pedacinhos ou em pó, alecrim, arruda (1 galhinho só) ou artemísia, entre outros.
ATENÇÃO: Mulheres grávidas ou amamentando devem evitar a queimada, principalmente as primeiras, pois algumas ervas, associadas com bebida alcoólica, cambiam em abortivos perigosos.
Numa panela de pedra ou barro, coloque açúcar e leve ao fogo, pra esquentar um pouco.
Coloque todos os demais ingredientes (menos a cachaça). Ao acrescentar os grãos de café (ou cravos-da-índia), coloque um em nome de cada cidade santa dos antigos galegos, donde vem a tradição da Queimada: um por Mondoñedo, um por Betanzos, outro por Tuy, um por Coruña, por Ourense mais um, outro por Lugo e o derradeiro por Compostela.
Pode-se colocar mais um pela tua cidade natal e, caso esteja fora dela, um a mais, em nome da cidade onde estiver; e finalmente, em nome de milhares de galegos espalhados pelo Mundo há séculos, deve-se colocar um punhado de grãos de café ou cravos no caldeiro.
Depois de acrescidos todos os elementos, apague o fogo. Espere uns 15 minutos. Coloque a cachaça na panela e um pouco no cucharón (ou “cazo”, a concha utilizada para se servir sopas) junto com um pouquinho de açúcar. Acenda o fogo no cucharón (se estiver na casa de outra pessoa, é o dono (a) da casa que tem de acender, pois é dele as chaves da casa, que representam quem mantém os Lares ali). Leve o cucharón em chamas à panela, acendendo a poção (acende-se o fogo dentro da panela). Mexa então a poção, dizendo o Conxuro
Ainda na confecção, fica um detalhe: na hora em que o fogo arder em meio ao conxuro, todos os presentes devem se concentrar em queimar e banir aquilo que não mais se quer em suas vidas. Se a quantidade de pessoas permitir, há um antigo costume do norte de Portugal, que ensina que todos os presentes devem mexer um pouco a Queimada, concentrando-se nas chamas para que queimem os males todos de suas Vidas...
(Conjuro) da Queimada.
O Conxuro
A Queimada traz consigo uma herança mágica e milenar, presente no simbolismo dos instrumentos e elementos com os quais é preparada, que em si traduzem as raízes da Tradição Galega Celta. Um destes elementos, porém, é básico em seu ritual: o conxuro (conjuro), uma evocação às forças hostis ao homem, que são conjuradas a vir ao Fogo Sagrado, ardendo no Caldeiro, para que sejam queimadas e transmutadas em Bênçãos. Tais forças são representadas pelos seres espirituais mencionados nos conjuros, tais como os Diaños (espécie de diabretes da Tradição Galega), Demos (Demônios), Trasgos (gigantes antropófagos); também mencionam os espectros que vagam com a Santa Compaña (a procissão das almas penadas, que anuncia a morte), assim como as podres cañotas furadas: troncos de árvores cortados, podres e repletos de vermes, símbolos do caldeirão da Terra, a Grande Bruxa, que em sua Alquimia, putrefaz e dissolve a forma, libertando assim a essência de cada ser; no conxuro, representa o fim dos prazeres carnais, com a destruição do vaso de matéria: o corpo. O Conxuro da Queimada evoca a Força dos Quatro Elementos da Natureza, o que denuncia já uma influência da Magia Clássica de inspiração Greco-latina, dado que na Tradição Celta os Elementos da Natureza são três, tal como vemos na própria simbologia da Olla, do Lume e da Augardente: a Terra, o Fogo e a Água. A citação dos quatro elementos se deve ao período tardio em que tal conxuro foi composto; outros elementos presentes no texto também denunciam isso, tais como citações ao Averno de Satã e Belzebu, que demonstra elementos demonológicos medievais, assim como o próprio medo e hostilidade em relação às Bruxas, vistas como espíritos malignos.
Essa visão de um universo dividido entre as Magas benfeitoras (Benzedeiras, Meziñeiras) e as Bruxas Malignas (chamadas Meigas chuchonas) é perceptível em outras culturas mágicas, tais como entre os italianos e suas batalhas xamânicas entre os Benandanti e os Malandanti (ou Stregoni – Bruxos), entre os açorianos e suas lendas de Bruxas Malévolas, que se metamorfoseavam em aves noturnas e borboletas chupadoras do sangue das crianças (que traçam um paralelo com as Strix latinas e os Strigoi romenos), que eram combatidas pelas Benzedeiras em seus rituais de cura do corpo e da alma (tradição levada para o sul do Brasil, com a colonização açoriana), entre outros.
O conxuro possui uma cosmogonia própria, que visa o restabelecimento da Ordem, mediante a chamada das forças hostis, que perturbam o corpo e a alma das pessoas, a se renderem perante o Fogo Sagrado. Ao prepararem a Queimada, os Bruxos muitas vezes convidam o doente a mexer o caldeiro, queimando nas chamas os males que lhe afligem.
Uma vez conjuradas, tais forças são queimadas no Lume, e assim os males são transmutados em Bênçãos de Saúde, Boa Sorte e Amor.
Abaixo, está o Conxuro da Queimada mais popular, conhecido por quase todos os galegos e portugueses do norte:
Conxuro da Queimada (Em Galego).
Mouchos, curuxas, sapos e bruxas.
Demos, trasgos e diaños,
espíritos das neboadas veigas.
Corvos, píntegas e meigas:
feitizos das menciñeiras.
Podres cañotas furadas,
fogar dos vermes e alimañas.
Lume das Santas Compañas,
mal de ollo, negros meigallos,
cheiro dos mortos, tronos e raios.
Ouveo do can, pregón da morte;
fuciño do sátiro e pé do coello.
Pecadora lingua da mala muller casada cun home vello.
Averno de Satán e Belcebú, lume dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
muxido da mar embravecida.
Barriga inútil da muller solteira,
falar dos gatos que andan á xaneira,
guedella porca da cabra mal parida.
Con este fol levantarei as chamas deste lume que asemella ao do Inferno,
e fuxirán as bruxas a cabalo das súas vasoiras,
índose bañar na praia das areas gordas.
¡Oíde, oíde! os ruxidos que dan as que non poden deixar de queimarse no augardente quedando así purificadas.
E cando este beberaxe baixe polas nosas gorxas,
quedaremos libres dos males da nosa alma e de todo embruxamento.
Forzas do ar, terra, mar e lume, a vós fago eiquí esta chamada:
se é verdade que tendes máis poder que a humana xente, eiquí e agora, facede que os espíritos dos amigos que están fóra, participen con nós desta Queimada.
Conjuro da Queimada (Em Português).
* Mochos, corujas, sapos e bruxas.
Demônios, trasgos e diabos,
espíritos dos enevoados campos,
Corvos, salamandras e Bruxas: feitiços das curandeiras,
Podres tocos de árvores furados,
lar dos vermes e bestas Fogo das Santas Companhas,
mau-olhado, negros feitiços,
cheiro dos mortos, trovões e raios.
Uivar do cão, pregão da morte;
focinho do sátiro e pé do coelho.
Pecadora língua da mulher má casada com um homem velho.
Averno de Satã e Belzebu,
fogo dos cadáveres ardentes,
corpos mutilados dos indecentes,
peidos dos infernais cus,
mugido do mar embravecido.
Barriga inútil da mulher solteira,
falar dos gatos que andam no cio,
cabeleira porca da cabra mal parida.
Com este fole levantarei as chamas deste fogo que se assemelha ao do Inferno,
e fugirão as bruxas a cavalo,
montadas em suas vassouras,
indo-se banhar na praia das areias gordas.
Ouvi, ouvi! os rugidos que dão as que não podem deixar de se queimar na aguardente ficando assim purificadas.
E quando esta beberagem baixe pelas nossas goelas,
ficaremos livres dos males da nossa alma e de todo feitiço.
Forças do ar, terra, mar e fogo,
a vós faço esta chamada:
se é verdade que tendes mais poder que as humanas pessoas,
aqui e agora, fazei que os espíritos dos amigos que estão fora,
participem conosco desta Queimada!
A Comunhão ao redor do Lume
Depois de conjurar a Queimada, tapa-se a panela (ou deixa-se queimar até apagar).
Antes de beber, cada um fará seus pedidos, daquilo que querem atrair para suas vidas.
O Fogo possui, tal como o Triskele celta, um tríplice poder, manifesto em suas três virtudes fundamentais: purifica, ilumina e aquece. Por isso mesmo, deve-se beber somente até três doses da poção: a primeira nos purificará, proporcionando saúde física e nos protegendo de feitiços inimigos, invejas e mau-olhado (o “Meigallo”, segundo os galegos); a segunda nos iluminará, livrando nossa mente de maus pensamentos e de todo tipo de negatividade; e a terceira nos aquecerá, despertando nossas paixões.
E segundo as tradições galegas, na derradeira dose, teremos traçado, então, o tríplice caminho cósmico, do qual não deveremos avançar, dado que estaremos no Umbral dos Infernos, aos quais chegaremos se bebermos uma quarta dose...
Fazer a Queimada, por si, é um ritual de purificação da casa, que fica impregnada pelo perfume das ervas e especiarias... e beber a Queimada é, por si, um ritual de purificação do corpo e da alma... na Festa de Bríghida, conjurar a Queimada é se conectar à essência da Deusa do Trabalho (que nos provê dos frutos e das ervas presentes na Poção), da Cura (propiciada pela Queimada) e da Poesia (presente no Conxuro)... é uma celebração de Alegria, Beleza e Magia!
fonte: A Queimada: Feitiço e Magia das Bruxas Galegas
http://www.4shared.com/document/esLfG-xz/A_Queimada_-_Feitio_e_Magia_da.html